terça-feira, 16 de setembro de 2014

PortugaLIDADES - o não saber



O chefe mandou-nos buscar uma coisa que estava perto de um sítio que eu não sabia onde era. Vai uma colega sai de imediato para a buscar. Sigo-a. Mal nos afastamos ela pergunta-me:
-"Sabes onde fica o sítio?"
-"Eu não! Pensei que tu sabias, arrancas-te logo".


Para mim isto é um exemplo perfeito de uma característica bem portuguesa. Acho que é transversal e se encontra em cada empresa, seja qual for a sua área de especialização.

Ninguém sabe o que é pretendido fazer ou onde fica um lugar. Mas ao invés do interlocutor UM explicar, só ordena. Ao invés do interlocutor dois PERGUNTAR, obedece. E com isto perde-se tempo, envolvem-se mais pessoas do que as necessárias na demanda pela "busca" que a tarefa exige, pois vai-se perguntando pelo caminho «alguém sabe onde fica....». Mas é esta a metodologia aceite e amplamente praticada no sector de actividade laboral português.

Faz muito tempo recebi uma ordem parecida. Ousei perguntar:
-"Onde fica?"
-"Não sabes onde fica? Sinceramente! Há quanto tempo estás aqui?!" (duas semanas)
-"Não. Sempre me indicaram que era para ir buscar ali (onde tinha ido e não estava nada). Nunca ninguém me disse e nunca precisei lá ir antes".


O Português é adepto do "desenrasque". Isso não tem mal algum, pode ser uma vantagem. Mas no contexto laboral muitas vezes essa incapacidade de interrogar e assumir-se uma postura de quem sabe o que faz sem ter a mínima ideia, oculta incompetência, nada mais. Mas é isto que é aceite na nossa sociedade dentro deste contexto. O indivíduo que comunique de forma mais interrogativa - e nem precisa ser muito, é quase um pária. Tem de se agir como se já se soubesse fazer tudo. Ser um autêntico Faz-de-Conta. "Faz-de-Conta" que sei o que faça, "Faz-de-Conta" que sou eficiente, "Faz-de-Conta" que não estraguei o trabalho todo e ficou tudo mal.


Salto para outra situação laboral. Contexto: Inglaterra.
O chefe manda alguém ir buscar algo. De seguida pergunta se a pessoa sabe onde fica o local.
- "Do you know where it is?"
Por vezes sem mesmo esperar resposta ou ainda que escute uma positiva, quase sempre dá indicações onde o local fica, como lá chegar e o nome do responsável com que falar.
-"Just go strait ahead until you find an intersection, then turn right, there's a sign in the wall saying "Staff", turn there and speack to mr. X"


Eu adoro Portugal e a nossa portugalidade. Mas tem certas situações em que gostaria de sentir o que é trabalhar num contexto mais civilizado e menos de desenrasque.

4 comentários:

  1. Uma bela imagem da tuguice. :)

    Outro exemplo curioso:
    Uma enfermeira amiga tuga veio da Noruega onde trabalhava tb como enfermeira e cá começou a fazer algo que fazia na Noruega. A colega enfermeira disse: "isso é com as auxiliares" Mas isto não é uma função nossa ? r: NÃO É DAS AUXILIARES !
    Conclusão: Auxiliares são enfermeiras
    enfermeiras são as médicas
    médicos são administradores.

    Um país sempre à frente o nosso ! ;))

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    1. Já tinha conhecimento dessa diferente postura no ramo da enfermagem. As perspectivas da saúde em Portugal são desoladoras! Mais uma realidade que me faz querer fugir...

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  2. O "desenrascanço" (estou armada em Assunção Esteves e invento palavras!) português até é uma virtude. O chico-espertismo (e vão duas!); o faz-de-conta; ou pior, o tem a mania que saber fazer, é que estragam tudo!~

    Apesar de ser ibérica, sou pouco latina, aliás eu acho que tenho alma nórdica, e a incompetência é uma coisa que me tira do sério. Então o não assumir que não se sabe (até parece que é um crime!) é uma estupidez muito nacional. E, claro, a culpa é sempre de alguém, nunca é de quem fez a asneira.

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    1. Oh Gata! Resumiste tudo.
      Acho que a minha alma também é Nórdica.
      Anda a apetecer-lhe tanto viver lá para as Suécias, Suiças e afins!

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